Top 10 filmes do primeiro semestre de 2014

Eis uma seleção dos dez melhores filmes, na minha opinião, do primeiro semestre de 2014. Não quis fazer um ranking, estilo do décimo ao primeiro. Aqui está a ordem cronológica de lançamento. Torço pra que a safra do segundo semestre seja prolífica em filmes de excelência, e que a escolha de dez filmes seja mais difícil do que essa de agora.

Ninfomaníaca: Volume 2 – Uma evidente evolução em relação ao Volume 1, a segunda e última parte de Ninfomaníaca reúne todas as características que marcaram o perfil de Lars Von Trier enquanto diretor: o senso de humor perverso, a coragem e ousadia fora-do-comum, as homenagens a diretores admirados, a fenomenal direção de atores, especialmente a de Charlotte Gainsbourg e a originalidade, principalmente. Fez quase 100 mil espectadores no Brasil, um feito espetacular pra um filme de censura 18 anos, ainda por cima considerado um ‘filme difícil’.

Hoje Eu Quero Voltar Sozinho – O longamente antecipado filme de Daniel Ribeiro, ampliação do curta-metragem de milhões de visualizações no Youtube, e de dezenas de prêmios em festivais de cinema. Com o elenco principal com mais de 18 anos completos, o diretor se permitiu ousar na abordagem da sexualidade e de outras experiências típicas da adolescência. Plateias vibraram, torceram e aplaudiram o casal improvável do adolescente cego e tímido com o novo garoto da escola em quem todas as meninas estão interessadas. Cenas icônicas, relação precoce de filme cult com o público, entre outros motivos, garantiram um lugar especial do filme no panorama no cinema queer mundial. Fez mais de 190 mil espectadores no Brasil, com um circuito restrito, sendo o nono filme nacional mais visto do primeiro semestre. Tudo isso sem publicidade tradicional, se apoiando na força das redes sociais, especialmente o Facebook. Deve entrar para a lista dos elegíveis a indicação do Brasil ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
Um Estranho no Lago – O vencedor da Palma Queer no Festival de Cannes de 2013 é uma das produções mais ousadas do últimos tempos não só para o gênero, mas também para o cinema em geral. O senso perfeito de ritmo e suspense, o carisma e sex-appeal dos protagonistas, a paisagem deslumbrante, os planos-detalhe explícitos que jamais parecem exploração, tudo contribuiu para que a crítica e o público fossem profundamente cativados por esse filme de desfecho que faz valer o adjetivo ‘surpreeendente’.
Godzilla – O reboot da franquia do monstro mais famoso do cinema foi recebido inicialmente com cautela. A campanha de divulgação foi acertada a não mostrar o Godzilla demais antes da sessão. O casal principal, composto com Aaron Taylor-Johnson e Elizabeth Olsen não foi exatamente uma unanimidade. No entanto, os efeitos especiais ponta de linha criaram cenas de batalhas entre monstros fenomenais em seu realismo de animação computadorizada (CGI) com uma textura bastante orgânica. A cuidadosa construção do suspense e a trilha sonora inspirada de Alexandre Desplat merecem nota também. Fez mais de 478 milhões de dólares mundialmente, um bom êxito.
X-Men: Dias de um Futuro Esquecido – O maior lançamento da história da Marvel é também o seu maior êxito em termos de qualidade. A reunião de um elenco estelar, com desenvolvimento de personagens majoritariamente exemplar, foi o grande trunfo do filme. O criativo roteiro, cheio de reviravoltas, não decepcionou. A trama, intricada, da forma que foi trabalhada não confundiu. Cenas icônicas se juntaram ao hall de grandes momentos dos filmes da Marvel. A escala de emoções oferecida ao espectador foi um caso à parte. Fez quase 700 milhões de dólares no mundo todo.

Malévola – Subestimada desde o seu anúncio, a recontagem da história da Bela Adormecida sob o ponto de vista de sua vilã teve como trunfo uma atriz incrível chamada Angelina Jolie. Além de entregar uma atuação memorável, vários pontos positivos convergiram para a qualidade do filme. O design de produção, que tornou o filme visualmente riquíssimo sem parecer artificial. A surpreendentemente carismática atuação da antes apática Elle Fanning. Mas principalmente, um roteiro super criativo, que obteve o êxito de preencher todas as lacunas dramáticas que o filme original da Disney tinha deixado, com a mudança de perspectiva. Não é exagero afirmar que este Malévola é tão bom ou melhor do que A Bela Adormecida.
A Culpa é das Estrelas – Baseado num mega best-seller, sucesso no Brasil especialmente, o roteiro do filme se mostrou fiel ao livro. Um elenco carismático e talentoso contribuiu ainda mais para o sucesso estético do filme. Ansel Elgort e Shailene Woodley demonstram uma química em cena fora-do-comum. A personalidade do livro ajudou e muito a tornar a produção uma obra/produto que fugisse do lugar comum. O filme também se beneficiou das locações em Amsterdam, uma cidade com pontos deslumbrantes, e da trilha sonora indie muito bem escolhida.
Vizinhos – Seth Rogen, Rose Byrne e uma bebê de um lado, e Zac Efron e Dave Franco do outro. A família que só quer um pouco de paz, versus os caras da fraternidade que se mudaram pra casa ao lado. Quem levará a melhor? É o que propõe esse inventivo roteiro, que se apoia no humor do universo masculino, de forma por vezes ousadíssima. Destaque para a trilha sonora e para o senso de escalada de acontecimentos, muito bem pensado.
Como Treinar Seu Dragão 2 – A sequência da animação da Dreamworks de grande prestígio chegou com altas expectativas, que felizmente se concretizaram. A relação do vicking Soluço, agora com 20 anos, e Banguela, seu dragão, é o coração do filme. O roteiro guarda muitas descobertas, fortes emoções e reviravoltas. O desenho da animação demonstra uma personalidade ímpar. A dublagem brasileira não faz feio, apesar de ser uma pena que não haja a opção do filme legendado nos cinemas, com dubladores do naipe de Cate Blanchett. Forte candidato no Oscar e Globo de Ouro de longa de animação.

The Normal Heart – O telefilme da HBO, dirigido por Ryan Murphy (Glee), provavelmente não vai estrear nos cinemas brasileiros. Nem por isso merecia ser esquecido. A produção mostra, num nível mais humano e microscópico, o início da epidemia de HIV/AIDS nos anos 80. O documentário indicado ao Oscar How to Survive a Plague, já havia feito uma espetacular abordagem dessa época. No entanto, The Normal Heart, enquanto peça de ficção baseada em fatos reais, investe bastante em seus personagens e extrai deles características e verdades contundentes, como nunca visto na filmografia da temática. O filme conta com Mark Rufallo, Julia Roberts, Matt Bomer, Jim Parsons e Jonathan Groff, entre outros destaques. As atuações são formidáveis. É forte candidato a vencer prêmios no Emmy e Globo de Ouro.

Causa e Efeito: Entrevista com o diretor André Marouço e o ator Matheus Prestes

(Após a cabine de imprensa do filme Causa e Efeito, em cartaz nos cinemas, o diretor e o ator principal participaram de um bate-papo com jornalistas. Aqui está o registro)

Marco Vieira – Eu achei o filme bastante contundente, e de personalidade, e me surpreendi muito. Eu queria saber se você (André Marouço, diretor) acha que o filme ajuda a desmistificar o espiritismo enquanto doutrina, tanto pro público que não está familiarizado quanto com que ainda tem preconceito, num momento que a gente vive a ascensão de uma parcela dos evangélicos que ‘não se bate’ de jeito nenhum com a doutrina espírita.

André Marouço – É, nós percebemos que ainda há pouca informação e muito preconceito em relação ao que é espiritismo. E o cinema, acho que é uma ótima forma de apresentar a nossa doutrina. Em absoluto, não é nosso interesse dizer que ela é maior ou melhor do que outra doutrina. Acredito que na Terra existe um número enorme de doutrinas religiosas e filosóficas, cujo lema maior é o amor. Então eu acho que a gente deve se afixar no amor. Vocês perceberam que a peça, embora uma peça espírita, os três ‘’mocinhos’’ dela são um padre, um pastor e um espírita. Nosso objetivo era mostrar que aquilo que deve unir os religiosos precisa ser muito maior do que as suas crendices, do que aquilo que eventualmente os separaria, que é o amor, que é a proposta de iluminação do ser humano.
Marco Vieira – O sincretismo brasileiro…
André Marouço – O sincretismo brasileiro. Nós estamos num país que é um caldeirão de cultura e espiritualidade. Aqui, graças a Deus, é um dos poucos países do mundo onde o muçulmano pode ser vizinho do judeu, o protestante pode ser amigo do católico, o espírita é amigo de todos, todos são amigos de todos, e é isso que importa, e na medida que a gente apresenta a doutrina na tríade que ela se apoia, que é a ciência, filosofia e religião, acho que a gente diminui o preconceito, e as pessoas verão, que é muito mais uma doutrina de busca, de estudo, de iluminação individual, do que querer que o outro faça como a gente acredita que deve ser feito. Então, nós entendemos que os evangélicos fazem um trabalho incrível, os católicos fazem um trabalho incrível, todas as religiões fazem um trabalho lindo, e o espiritismo também tem seu trabalho, especialmente no campo assistencial. E o cinema é uma ótima forma da gente apresentar a nossa visão de construção de um mundo melhor.
Marco Vieira – Matheus, como foi a sua preparação para o papel, em linhas gerais, eu sei que é um trabalho que envolve muitos detalhes.
Matheus Prestes (ator protagonista) – Na verdade, eu me encontrei com o André (diretor), e a gente desenvolveu um pouco o passado do Paulo, de onde que ele conheceu a Carolina (esposa), como é que foi esse encontro, o que ela significava pra ele. E a gente fez alguns exercícios, com  um laboratório, batendo um papo para começar criar, para dar corpo, dar um pouco de estofo pra esse personagem. E muito também, a cada leitura você vai conseguindo ver alguma coisa diferente que você não tinha visto nesse bate-papo. E através também da própria gravação, do próprio trabalho em si, com a relação minha com os outros atores, com a Madalena e com a Carolina. Na verdade foi simples assim, porque ele (o personagem) apareceu mais a gente fazendo do que antes. Antes a gente conversou muito sobre ele para descobrir quem era o Paulo, mas acho o dia a dia que vai te trazendo na pele mesmo.
Marco Vieira – Me parece que funcionou muito bem assim, você é convincente no papel.
Joana Aquino (assessora de imprensa) – Como é fazer assim um personagem que tem tanta mensagem?
Matheus Prestes – O legal assim do Paulo é que é muito humano e pode acontecer com qualquer um, num grau menor, maior eu não digo, o que aconteceu com ele é muito trágico, até onde ele foi em vias de fato. Você pode ser fechado no trânsito, e desenvolver uma raiva por aquilo, tem pessoas que ficam loucas e possessas por uma fechada no trânsito, você pode ser injustiçado pelo governo, ser mal tratado ou roubado, você desenvolve aquele sentimento de raiva. Aconteceu isso comigo, de eu ter sido assaltado, de ‘nossa quero pegar o cara’, ao mesmo isso é um movimento, uma válvula de escape, um catalisador pra eu não precisar fazer isso. O Paulo acabou criando uma estrutura, e ficou preso em função do ódio que ele sentia. Acho que fazer, primeiro que eu trabalho em mim isso né, é muito interessante, sentir essa raiva e conseguir identificar que é muito mais na minha vida que eu senti isso. Eu acredito muito na evolução do ser humano. Então eu acho que foi muito bom fazer e tenho certeza que as pessoas vão se identificar com esse sentimento de raiva que é uma corrente na sua canela, pra te arrastar e te prender na vida. E esse desapego também, eu sei que não é fácil, tenta transformar esse sentimento que seja de qualquer âmbito negativo, inveja… e transformar isso em algo positivo.
Joana Aquino – O elenco é bem a estrela do filme. Acho que está bem preparado o elenco.
André Marouço – Acho que foi muito feliz. Acho que a precisa ressaltar o trabalho da Rosângela, minha esposa, por acaso. E ela conseguiu garimpar alguns amigos que fizeram um trabalho bem bacana mesmo.
(…)
Marco Vieira – Qual foi o orçamento do filme?

André Marouço – Nós temos um orçamento aprovado pela Ancine de 1,6 milhão. Eu acredito que é preciso ressaltar a entrega da equipe. Nós conseguimos fazer muito mais que um ambiente de trabalho, um ambiente de fraternidade. Então o que nós percebemos, é que todos que ali estavam, embora 90% das pessoas não são espíritas, nunca entraram numa casa espírita, mas encontraram um ambiente de trabalho fraterno, perceberam que era uma obra que tinha algo mais pra levar pra sociedade, uma mensagem de paz de amor, todos foram contagiados com isso, a entrega foi muito maior de todos.

Causa e Efeito, um contundente e fora-do-comum filme espírita

O nicho de filmes espíritas, que começou com o lançamento de Chico Xavier (2010), que alcançou 3.5 milhões de espectadores, seguido de diversas produções de sucesso com histórias relacionadas à linha kardecista, tem se mostrado muito atraente. Mas o que ocorre com Causa e Efeito, do diretor André Marouço (O Filme dos Espíritos), é algo completamente especial. É o primeiro filme dessa linhagem brasileira a ter um roteiro original, e a misturar elementos de vários subgêneros cinematográficos, como o suspense, o drama e toques de noir.
Na história, o policial Paulo (Matheus Prestes, excelente) enfrenta um grande trauma ao perder o filho e a esposa em um acidente de carro. Ele não se conforma que o responsável pelo acidente, um motorista bêbado, não ter sido punido pelo crime adequadamente. Paulo larga o trabalho e passa a fazer serviços bastante imorais, sob um ponto de vista, e justiceiros, por outro. Até que um dia ele depara com Madalena (Naruna Costa), quem ele descobre ser a amante grávida de um político influente (Henri Pagnoncelli) que pagou para se livrar dela. O ex-policial põe Madalena sob sua proteção e viaja para uma cidade no interior, a convite de um tio. Lá, eles tentam construir uma vida alternativa sob a orientação de um pastor, um padre e um espírita, símbolos do sincretismo religioso brasileiro. No entanto, muitos obstáculos estarão por vir.
A estética do filme dialoga bastante com a da televisão, mas certamente tem virtuosismos de cinema. A trilha sonora, inicialmente deixa a impressão de exagero, mas depois dita uma escalada de tensão, como num thriller. A preparação de elenco, feita por Rosangela Marouço, esposa do diretor, merece elogios. Nenhum ator do filme soa artificial, mesmo nas cenas mais difíceis. Muito pelo contrário: todo o drama flui com uma suspensão da descrença sólida. Apesar da pouca projeção nacional, a maioria do elenco tinha bastante experiência com teatro ou tevê. Causa e efeito foi filmado em diversas cidades, especialmente no interior de São Paulo. A ambientação se mantém constantemente discreta durante todo o filme.
A estrada para a redenção é complicada e as soluções não são nada fáceis. Assim que é explanada a Lei de Causa e Efeito, codificada por Allan Kardec, que explica algumas contingências humanas, vemos o tom contundente do filme com mais clareza. Trata-se de uma produção muito séria, que apesar de sua intenção de aproximar do grande público, não compromete a própria integridade enquanto filme espírita. O roteiro traz muitas reviravoltas e surpresas, e a edição acerta num filme que jamais entendia, se beneficiando de bem colocadas elipses. O orçamento do filme foi de 1,6 milhões de reais, bem de acordo com a qualidade técnica da sua produção.

A Estação da Luz, juntamente com a Downtown e a Paris Filmes, distribuem o filme no Brasil, que estreou no país em 03/07/2014.

Jersey Boys: Em Busca da Música

Quero começar essa resenha demonstrando minha perplexidade sobre a reação da crítica americana, agrupada no site Rotten Tomatoes, a Jersey Boys: Em Busca da Música. Aparentemente eram altas as expectativas sobre a adaptação do musical de grande sucesso para o cinema, e estas caíram por terra. O espectador pode ir tranquilo para a sessão, pois trata-se de um bom drama/musical, que oscila entre diversos subgêneros cinematográfico durante suas 2h14 de duração.
Marshall Brickman, um dos roteiristas, ganhou um Oscar pelo script de Annie Hall (1978) e teve seu roteiro, também co-escrito com Woody Allen, do belíssimo Manhattan, indicado dois anos depois. Os dois roteiros levaram os respectivos Baftas. Curiosamente, ele nasceu no Rio de Janeiro. Rick Elice é praticamente inexperiente, de acordo com dados do IMDB. Os dois assinam tanto o roteiro de Jersey Boys quanto o musical book. Clint Eastwood, o diretor do filme, dispensa apresentações. Ele declinou a ideia de utilizar atores de Hollywood na produção, em vez disso, deu preferência aos atores do musical da Broadway no qual o filme foi baseado. John Lloyd Young reprisa seu papel (vencedor do Tony) de Frankie Valli, o pequeno garoto com um grande falsetto.
O veterano Christopher Walken, o primeiro ator a fazer parte do elenco, interpreta uma espécie de padrinho da máfia de New Jersey, Gyp DeCarlo. Vincent Piazza (destaque na série Boardwalk Empire (2010-13) vive Tommy DeVito, o dirigente da banda que viria a se tornar a Four Seasons. É ele quem coloca Frankie na banda como leading singer, o que, junto com a inclusão de Bob Gaudio (Erich Bergen) como letrista e arranjador, seria a receita do sucesso do quarteto. Nick Massi (Michael Lomenda) toca baixo na banda, e é uma espécie de Ringo, o ”quarto” integrante da banda, o mais discreto, e não mesmo importante.
Jersey Boys: Em Busca da Músicasegue uma linha biográfica, expondo os conflitos da formação e convivência dos Four Seasons e sua jornada até o sucesso e durante o mesmo. Os atores cantaram ao vivo nos palcos onde foram captados pela câmera de Eastwood. Os números musicais tem energia vibrante. Eles soam bastante espontâneos, como se fôssemos transportados pelo tempo. Quem viveu aquela época, os anos 60, quando o grupo foi o mais popular internacionalmente antes dos Beatles, deve se sentir nostálgico com o filme. Pra se ter uma dimensão desse sucesso, um indicativo é o fato deles terem vendido mais de 100 milhões de discos no mundo todo.
O desempenho do elenco como um todo é fenomenal. John Lloyd Young entrega o que os americanos gostam de chamar de powerhouse performance. Os conflitos dos personagens são bem trabalhados e interpretados. O roteiro equilibra bem a música com o drama, sem que um pareça pensado pra atenuar o outro: isso seria imperdoável depois de tantos filme do gênero terem errado nesse sentido. Como todo filme biográfico, são feitos recortes do que parece mais interessante. A família de Frankie é basicamente a única abordada: seu envolvimento e rápido casamento com Lorraine (Erica Piccininni), com quem tem uma filha, e os conflitos pesados da relação entre os três. Há um salto temporal que não mostra a decadência da banda, diretamente para a inclusão dos Four Seasons no Rock and Roll Hall of Fame, um momento de glória e reencontro dos integrantes da banda, dispersos por 20 anos.

A crítica americana reclamou da falta de dois ingredientes: inovação e energia. Ora, um filme que se atreve a permitir que os atores quebrem a quarta parede e se dirijam à plateia, tal qual o musical original, não é inovador? Isso é apenas um dos exemplos. Energia dramática é o que não falta em Jersey Boys: Em Busca da Música, e é uma pena que os críticos não enxerguem isso. O filme custou modestos 40 milhões de dólares. Um ponto negativo é que no final há simplesmente quatro candidatos a final number, o que torna seu desfecho arrastado, com cenas-clímax que perdem sua força potencial. Mas nada que prejudique a percepção geral de que esse é um grande filme, mais uma inclusão interessante no subgênero musical contemporâneo.

O filme é distribuído pela Warner no Brasil e estreou no país em 26/06/2014.

Os Muppets 2: Procurados e Amados, uma sequência acertada

Os ingredientes que fizeram o sucesso do filme anterior, reboot da franquia dos Muppets no cinema, que são as gags divertidas, os números musicais contagiantes e os cameos de celebridades, se repetem no novo Os Muppets 2: Procurados e Amados. Logo no opening number, We’re doing a sequel, o virtuosismo e auto-ironia ficam evidentes, sendo a música excelente, que no entanto confessa que a ‘sequência nunca é tão boa quando o primeiro filme’. No brainstorming sobre um novo show, uma homenagem a O Sétimo Selo (1957), de Bergman, é muito bem encaixada, caindo como uma luva, hilariante.
Após Constantine, o criminoso mais perigoso do mundo fugir da prisão, ele executa um plano perverso de substituir Kermit na trupe dos Muppets, se aproveitando da imensa semelhança física entre eles, como exceção de uma pinta no rosto. Com a ajuda de Dominic (Rick Gervais, conhecido por polêmicas apresentações do Globo de Ouro), Kermit é levado para uma prisão da Sibéria, enquanto a trupe é convencida a fazer uma turnê europeia, de acordo com as pistas sobre o acesso às joias da coroa britânica, que Constantine e Dominic pretendem roubar. Os ingressos são distribuídos gratuitamente, e as críticas nos jornais são pagas (!!), dando a ilusão para os Muppets que a turnê está sendo um sucesso, enquanto Kermit sofre na Sibéria e Constantine assume sua identidade sem que quase ninguém suspeite que tem algo de errado.

Dois atores que tem/tiveram séries de comédia de longa carreira na TV integram o elenco fixo da produção. Tina Fey (30 Rock) faz a guarda da prisão russa, Nadya, que tem uma paixão secreta por Kermit. Ela faz uma personagem caricata, porém irresistível no seu carisma. O que não pode ser dito sobre o personagem de Ty Burell (Modern Family), que vive um agente da Interpol profundamente irritante e caricato politicamente de um modo falho.

O filme se beneficia da beleza das locações de cidades como Berlim, Madri, Dublin, e Londres. A produção custou 50 milhões de dólares, um pouco mais que o filme anterior. Não vou revelar aqui quais são as cameos (participações ultrarrápidas) de celebridades, pois a grande graça é bater o olho no artista e lembrar quem ele é, se surpreendendo. Me permito porém, comentar as participações especiais, que incluem Christoph Waltz que dança uma valsa, Salma Hayek que encara uma tourada em pleno palco, sempre com um toque de humor em relação a alguma característica do ator.

Num dos melhores números musicais do filme, há uma referência visual ao clipe de Someone Like You (2011), de Adele, quando Miss Piggy cruza agasalhada uma ponte em preto em branco, em tom confessional, tal qual o clipe, recurso genial. O ótimo número do interrogatório (Interrogation Song), quando os Muppets, suspeitos dos roubos que ocorrem justamente nas cidades pelas quais a turnê passa, também merece destaque. A grande pérola do filme é a participação de Celine Dion herself como um objeto de adoração de Miss Piggy, com quem faz um dueto em Something so Right. O ritmo do filme é simplesmente exemplar, sem falhas, nunca entendia em 1h52. A ausência de um número final à altura da qualidade do filme decepciona. A conclusão é que se trata de uma comédia divertida que conquista até aqueles que não tem familiaridade com a trupe de fantoches animados.

O filme é distribuído no Brasil pela Disney e estreou no país em 26/06/2014.

Amazônia, a maior produção da história do cinema brasileiro

Amazônia é um filme muito especial, feito com imagens reais estilo documentário, com um elenco de animais preparados durante 6 meses para as filmagens. É um filme de ficção, onde o protagonista é um macaco-prego, que se diz ‘urbano’, e conduz toda a narrativa através do voice-over, dublado por Lúcio Mauro Filho, ator conhecido pelo seriado global A Grande Família. O realismo das imagens, fotografadas por Gustavo Hadba, é formidável; nos sentimos ali, parte daquela história que se passa na floresta amazônica. A expressividade do macaco-prego, de nome Castanha, é incrível, digno da escala humana.

A história é a seguinte: o avião onde Castanha seria transportado para um circo, depois de sair dos cuidados de uma menina, cai na floresta amazônica. O macaco-prego se vê na necessidade de se adaptar às condições da floresta, e entrar em contato com a sua própria natureza. Na sua ‘odisséia’ ele enfrentará dúvidas, perigos e hostilidade.

As referências de Castanha como macaco que veio da cidade são bastante divertidas. Ele se refere ao Homem-Aranha, a filmes 3D (ironicamente o formato que Amazônia será lançado), e ao Pérola Negra, nome de um navio importante da saga Piratas do Caribe (2003). Há muitos toques de humor no roteiro, não fique o espectador com a impressão que vai assistir um documentário dramatizado e tedioso qualquer. Esse aqui é algo mais. Os close-ups são generosos, o que parece ser uma característica de Gustavo Hadba, enquanto diretor de fotografia.

A imponência dos animais da floresta, como a coruja, a onça pintada, os tucanos, a jiboia, impressiona, pois são animais de verdade, não tem nenhuma tecnologia ali; é pura riqueza da fauna brasileira. Castanha diz que ‘o mais forte come o mais fraco’, e quando ele se alimenta dos ovos de arara azul junto com outros macacos, é sua primeira atitude que talvez seja entendida como impopular. Há uma imagem belíssima de um bicho preguiça com seu filhote nadando no rio em direção a um cipó. A cena da perseguição de Castanha por uma onça pintada é uma das mais climáticas.

Nosso protagonista conhece uma macaca na mesma espécie, Gaia, (dublada por Isabelle Drummond, a Emília do Sítio do Pica-Pau Amarelo), e se apaixona por ela, apesar da desaprovação do pai. O destino desse relacionamento fica em suspense. Numa aventura para fora da floresta, Castanha depara com queimadas e uma menina índia oferecendo frutas para ele. O herói se recusa a ser mascote do bicho humano e faz um gesto simbólico que é definitivamente o clímax do filme.
O filme custou 26 milhões de reais, a mais cara produção da história do cinema brasileiro. Foi o primeiro filme filmado em 3D no Brasil. A versão que está sendo lançada agora em circuito comercial é dublada, diferente da versão sem diálogos exibida nos festivais. Luiz Bolognesi (Bicho de Sete Cabeças) assina o roteiro do filme, junto com outros 3 franceses. A direção é do francês Thierry Ragobert.
O filme é distribuído no Brasil pela Imovision e estreou no país em 26/06/2014.

The Backyardigans – Os Cavaleiros são Fortes e Valentes

Os amigos Pablo, Tyrone, Uniqua, Tasha e Austin partem numa aventura, usando a imaginação, que envolve obstáculos e muitas lições de amizade, perseverança, auto-superação e humildade. São cinco atores fantasiados que nada tem de desengonçados, como pode se perceber na fina e criativa coreografia, frequente nos números musicais, que dão ainda mais dinamismo ao espetáculo. Destaca-se também a coreografia gestual, que foge do caricato e do óbvio. Os Cavaleiros são Fortes e Valentes é um musical por excelência, com letras e arranjos cativantes.
Uniqua (a uniqua cor-de-rosa) recebe da Rainha Tasha (a hipopótamo amarela) a missão de entregar uma mensagem secreta ao Rei Austin (o canguru roxo). Porém, esta viagem será muito difícil. Ela terá que passar por uma série de perigos até chegar ao seu destino, como atravessar a floresta da escuridão guardada pelo Alce da Neblina e pelo Pântano da Peste, cujas águas estão tão infectadas que quem as tocar ficará doente para sempre. Junto de seus amigos Tyrone (o alce laranja) e Pablo (o pingüim azul), Uniqua terá que se mostrar forte e valente para conseguir cumprir a missão que lhe foi dada e levar a mensagem ao destino secreto.
A produção é assinada pelo canal Nickelodeon, que veicula o seriado infantil no qual o espetáculo é baseado. O elenco é argentino, no entanto é feito um excelente trabalho de dublagem, com sincronia perfeita e qualidade de som ótima. A interação com a plateia é bastante equilibrada, e sempre recebe uma resposta bem positiva. Há espaço para o humor de todos os tipos, seja do infantil ao mais adulto. O espetáculo jamais subestima a inteligência da faixa-etária de seu público alvo, é justamente adequado, e esse é um dos seus grandes trunfos.

Serviço:
De 19 e 20 de junho
Quinta, às 16h
Sexta, às 19h
Teatro RioMar (Av.República do Líbano, 25 – RioMar Shopping – 4º piso – Em frente ao Cinemark)
Setor / Valor
Balcão Nobre R$ 80,00
Plateia Alta R$ 120,00
Plateia Baixa R$ 130,00
50% de desconto para assinante titular do Jornal do Commercio e um acompanhante, mediante apresentação do cartão JC Clube.
50% de desconto para crianças de 02 a 12 anos em conformidade com a Lei Federal nº 8069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
50% de desconto para estudantes, idosos, pessoas com deficiência e jovens entre 15 e 29 anos comprovadamente carentes, em conformidade com a Lei federal N°12.933 de 26 de dezembro de 2013
*Descontos não cumulativos a demais promoções e/ou descontos.
Pontos de venda:
Bilheteria do Teatro RioMar: Av. República do Líbano, 251 – Pina (terça a sábado, das 12h às 21h, e domingos e feriados, das 14h às 20h)
Televendas: 4003-1212
Ponto de Venda Sem Taxa de Conveniência
Loja Jornal do Commercio: RioMar Shopping – Térreo (segunda a sábado, das 9h às 22h, e domingo, das 12h às 21h)

DVD ”Olhos de Onda”, de Adriana Calcanhotto

Adriana Calcanhotto em Olhos de Onda



É com O Nome da Cidade (Caetano Veloso, 1984) que Adriana Calcanhotto decide iniciar o seu mais recente show, que rodou Portugal e diversas cidades brasileiras. Em seguida, vem Três (2006), retirada do disco intitulado Maré (2008), sucesso de crítica na época de seu lançamento. Trata-se de um hit de Marina Lima, que Ana Carolina também regravou no seu bastante difundido álbum Dois Quartos (2006). Os admiradores da música não parecem se importar muito, e no show visto no Teatro da UFPE, em julho de 2013, não havia indicação de coro algum. Como essa música não tocou direto nas rádios, com essa projeção, é algo difícil de entender.

Inverno (1994) é aquela música famosa pelo seu verso ‘e o inverno no Leblon é quase glacial’, que os cariocas, em sua maioria, gostam mesmo é de calor e praia, se identificam bastante. Para Lá (2008), primeira composição de Calcanhotto com Arnaldo Antunes, é assumida com muito orgulho. A soturna Sem saída (2008), do álbum Maré (2008), contribui para um clima ainda mais intimista para o show. Motivos reais banais (composição dela sobre poema de Waly Salomão) é a primeira inédita apresentada no show. A canção é calcada em verbos e adjetivos, assim, isolados, algo experimental. Adriana emenda com outra música inédita, que dá o nome do DVD, Olhos de Onda. É uma divagação muito divertida para a imaginação, e sem dúvida, merece o lugar que tem na apresentação.

Um outro mini-bloco é iniciado, depois do par de inéditas; é o de covers. A capacidade de intérprete de Adriana Calcanhotto já se mostrou fenomenal, quando, no DVD registro do penúltimo show, Micróbio Vivo, ela cantou o clássico Esses Moços, de Lupicínio Rodrigues.


Dessa vez, em Olhos de Onda, ela deu mais um passo em direção a explorar seu talento de intérprete, e fez dois covers. O primeiro, sucesso na voz de Tim Maia, foi Me Dê Motivo (1983), que faz parte da trilha da atual novela das sete G3R4Ç4O BR4S1L. Adriana imprime um tom completamente pessoal a letra, e o resultado surpreende pela criatividade de nuances.


O segundo cover é o de Back To Black, de Amy Winehouse, cantora britânica de soul falecida em julho de 2011. A música original foi o terceiro single a ser lançado do álbum homônimo em 2007. Muitos podem também lembrar da versão voz e piano que a cantora Cida Moreira consagrou como o ‘cover definitivo’ de Back to Black. A comparação é um exagero: as duas intérpretes (Adriana e Cida) tem estilos abissais e repertórios completamente diferentes. Adriana entrega uma versão contida e dolorosa da música de Amy, com inglês perfeito, e com isso faz singela homenagem.

A seguir, vem um par de músicas (estratégia temática que parece constante) das músicas que fazem parte da fase Micróbio do Samba. Mais Perfumado é a canção da mulher elegante que sabe estar sendo traída. Maldito Rádio é uma música com potencial radiofônico imenso, que mesmo fazendo parte de trilha de novela, não foi explorada como poderia. Em cena, no palco, um rapaz se posiciona ao lado da cantora com um rádio ligado, dando interferências, sujando uma canção tão bela e redonda; mais material para a imaginação do espectador.

Adriana Calcanhotto em Maldito Rádio



Devolva-me (1966 – sim é uma música antiga resgatada), o hit absoluto de Calcanhotto até hoje, ganha uma versão digna de seus versos magistrais. E Sendo Amor é uma letra direta de dor de cotovelo que tem seu apelo considerável. Esquadros (1992) é um clássico de mais de 20 anos atrás, que ainda não perdeu o viço de sua letra inspirada, na voz doce de Adriana. Canção de novela tem pouco a ver com seu título, tamanha sua seriedade e vulnerabilidade. O belíssimo poema de amor de Depois de ter você (Cantada) é capaz de amolecer até os corações mais duros. A cantora emenda logo com Vambora (1998), que vive tocando nas rádios de MPB até hoje. Quem nunca num momento de solidão imaginou a cena tão avassaladora descrita na música?

Já na fase do bis, enquanto Calcanhotto está atendendo a pedidos, uma das pessoas da plateia grita cristalinamente Seu Pensamento, também do álbum Maré (2008), que acaba por ser o disco mais favorecido pelo repertório desse show. A seguir, vem Metade (1994), mais um clássico, de exatos 20 anos atrás. É incrível constatar como essas músicas mais antigas não perdem vigor, que parecem ter sido compostas outro dia, tamanha sua contemporaneidade. Adriana Calcanhotto encerra um show exitoso com Maresia (1981), em que ela  encarna um eu-lírico masculino, como tantas vezes já fez em sua carreira.

A direção certeira do show é assinada por Dora Jobim e Gabriela Gastal. A direção de fotografia, inspirada e corajosa, com seus close-ups no rosto da cantora, é de Gustavo Hadba. 
Adriana Calcanhotto cumprimenta o público ao final do show

Como Treinar seu Dragão 2, de Dean DeBlois

Essa resenha se baseia da versão dublada da animação, fato que tem pontos positivos e negativos. Há um público, que mesmo depois de adulto, prefere ver animações dubladas. Há o público infanto-juvenil, que consome a versão dublada por hábito e conforto. Por fim, há uma parcela menor dos espectadores, que faz questão de ver animações legendadas, pra não perder a dublagem original, frequentemente feita por atores conhecidos e talentosos. Esta última parcela merece pelo menos uma sessão semanal do filme legendado, para suprir sua ‘demanda reprimida.’
A dublagem brasileira é boa. Eu mesmo, que não estão acostumado, conseguir abstrair em questão de poucos minutos de projeção. Os anglicismos que se percebem nesta dublagem são um espetáculo à parte. ‘Podemos recomeçar?’ (let’s start over?), ‘meter-se em encrenca’ (get into trouble), ‘devolver o favor’ (return the favor), ‘somos uma equipe’ (we’re a team), ‘agora vamos brigar’ (now we’re fighting), ‘livrar-me de você’ (get rid of you), e por aí vai. Um estudante infanto-juvenil de inglês é capaz de perceber essas traduções mais diretas do inglês para o português, e esse é um exercício muito divertido.
O intervalo entre o primeiro e o segundo filme é de alguns anos, o suficiente para Soluço, o herdeiro do líder da ilha de Berk, completar 20 anos. O filme começa com um cenário e jogo que evocam uma partida de quadribol, da franquia Harry Potter (2001-11). E esta não será apenas a primeira ‘homenagem’, por assim dizer, como se verá adiante na projeção. Solução demonstra uma relação de discordância beirando a rebeldia com seu pai, Stoico. O filho único parte numa viagem exploratória com sua amiga, Astrid, até uma misteriosa ilha coberta por cristais de gelo. Lá eles conhecem um capacho de Drago, – vilão ainda não revelado-, que tenta capturá-los sem sucesso, após anunciar a existência de um exército de dragões sob o comando de Drago.

Soluço relata todo o acontecido ao pai, que entra em modo pânico/cautela e manda levantar todas as defesas da ilha que é a casa de todos. O mais novo desobedece o pai novamente e sai em busca de um acordo de paz com Drago, em vão. Depois de ser resgatado por enviados de seu pai, Soluço acaba conhecendo um fabuloso treinador de dragões, que acaba por se revelar um familiar que ele achava ter perdido muitos anos atrás. Depois de flashbacks e delicadas reconciliações, tudo parece bem. Até que Drago aparece com seu exército e seu dragão alfa, ao qual todos os dragões são obrigados a obedecer, por natureza. Isso tem consequências terríveis, especialmente para o dragão de soluço, Banguela, que é forçado a fazer o abominável. Fica a ideia de que um personagem vicking como Soluço, que já começa o filme com um pé mecânico, sugere que ninguém está a salvo.

O grande trunfo do filme são personagens carismáticos que fazem o espectador torcer, vibrar e se comover com seus atos. O humor tem espaço garantido num subgênero que podia se apoiar apenas na aventura. Ver, por exemplo, a vicking apaixonada pelos braços musculosos do inimigo rende risadas surpreendentes. Há um personagem gay no filme, algo quase inédito em termos de animações, que sai do armário com uma das frases mais hilariantes do longa. A qualidade (e a personalidade) da animação merecem nota. A Dreamworks se superou desta vez, explorando o material original vindo dos livros com maestria. Ponto positivo também para a trilha sonora, sofisticamente orquestrada, que contribui para o ritmo do filme de modo fundamental. Ela é assinada por John Powell, compositor de extenso currículo (franquias A Era do Gelo, Rio, Kung Fu Panda).

Como Treinar seu Dragão 2, faz referência e homenagem, intencional ou não, aos 20 anos da animação icônica O Rei Leão (1994), em mais de um aspecto. 1h42 de filme passam fluidamente, num ritmo construído com o maior cuidado, sem espaço para quebras de ritmo, apenas as que a dramaturgia exige. Além de uma série animada em andamento, há uma sequência do longa planejada para 2016. Dean Deblois também assina o roteiro de Como Treinar seu Dragão 2, além do script dos clássicos Lilo & Stitch (2002) e Mulan (1998). O filme custou 145 milhões de dólares. Um dos melhores filmes do primeiro semestre, e provavelmente, de 2014.

Vizinhos, uma das melhores comédias do ano

Eis uma comédia que vai levar os limites do politicamente incorreto para outro nível, de uma forma muito divertida. Começar o filme com uma tentativa de sexo na frente de uma bebê, além de amplo consumo de maconha no decorrer do filme, pareceu pouco. O diretor, pra ser sincero, tem uma filmografia duvidosa. Mas isso não parece obstáculo para o êxito do filme, com seu elenco em ótima forma.
O já consagrado ator de comédias Seth Rogen (Mac Radner) está confortável no papel de marido recém-pai que luta com as dificuldades de ter uma fraternidade universitária se mudando a casa vizinha à sua. A atriz Rose Byrne (Kelly Radner), conhecida principalmente pela série Damages (2007-12) e por sua participação em Missão Madrinha de Casamento (2011), de início esconde um pouco seu sotaque original, mas depois de ser revelada como antiga intercambista, deixa seu sotaque australiano correr leve e solto. Zac Efron (Teddy Sanders), corajoso, enfrenta de cara o type casting costumaz em inícios de carreira em Hollywood. Seu personagem explora justamente seus atributos físicos e sua beleza e carisma. O jovem em ascensão Dave Franco, irmão do também ator James Franco, tem papel de destaque e se sai muito bem, indicando sua escalada para o sucesso.
A química entre o casal principal e sua bebê é fantasticamente cativante. É muito difícil não escolher o lado delas na rixa que é o principal mote do filme: com um bebê (Stella) em casa, e festas alucinantes na casa ao lado, Mac e Kelly precisam que os vizinhos mantenham ‘o som baixo’. Curiosidades: o casal usa pouco glamurosos aparelhos fixos dentais antes de dormir, e há piadas referenciando Game of Thrones, dando evidências da dimensão que a série ganhou nos últimos anos. As legendas contém palavrões. O trailer entrega muitas das cenas engraçadas do filme, então não é recomendável assisti-lo. É incrível como o filme não perde ritmo do decorrer dos seus 120 min. As piadas do universo masculino, por mais escrotas que sejam, dominam o roteiro.

A trilha sonora chama atenção, por contar com sucessos de balada dos anos 2000. Há pérolas como Get Your Freak On (Missy Elliot) e London Bridge, sucesso amplo de Fergie. Músicas bem mais recentes, como Die Young (Ke$ha) e All Night (Icona Pop) também tem seu lugar na trilha. Os roteiristas Andrew J. Cohen e Brendan O’Brien não possuem um passado cheio de destaques, mas entregam um script de dar inveja a muitas comédias deste ano. A escalada de acontecimentos do filme nunca perde a linha, e seguem uma ordem lógica precisa. Até o último momento não sabemos qual lado levará a melhor. O final é apoteótico, um clímax como raramente se vê nesse gênero. Definitivamente Vizinhos é uma das melhores comédias do ano. O filme custou surpreendentes 18 milhões de dólares.
O filme é distribuído no Brasil pela Universal, e estreou no país em 19/06/2014.