[Crítica] Portas, novo álbum de Marisa Monte

Há algo de ousado e especial nesse disco. É possível vislumbrar cada música como um convite, um caminho possível. A amenidade das letras se beneficia da riqueza da interpretação da experiente Marisa, que nunca faz escolhas previsíveis, nesse aspecto. Ela entrega uma produção vocal e melódica cheia de singelas curvas e desvios, no melhor sentido. Há espaço para extroversão e instrospectividade do decorrer do álbum. Uma das que mais gosto é ‘A Língua dos Animais’, que reitera a inspiração encontrada nos elementos da natureza, já homenageada em letras como ‘O que você quer saber de verdade’ e ‘Virarejo’, de álbuns anteriores. Em geral, ela é econômica nas palavras, e também nos refrões. O efeito é de um vento gostoso que bate e precisa ser aproveitado em sua efemeridade. Outro traço marcante de seu repertório, as letras com reflexão sobre relacionamentos, tem em ‘Totalmente Seu’ um bom representante. É valorosa a preservação do pronome masculino do eu lírico, destacando a autenticidade do co-compositor Silva. Marisa Monte também faz canções especialmente etéreas com maestria, e ‘Vagalumes’ segue essa tradição. Aqui, seus vocais atingem o ápice, com o apoio orgânico de efeitos de estúdio, que só agregam lirismo. No álbum ‘Portas’, não parece haver pretensão de grandes hits, que se integrem facilmente a rádios e playlists. Merece nota o otimismo desafiador de ‘Pra Melhorar’, cujas camadas de vocais de Marisa, Seu Jorge e Flor são capazes de resgatar o ouvinte de um estado emocional que o Brasil de hoje alimenta repetidamente. A melhora requer esforço pessoal, coletivo, somada a fatores que fogem ao nosso controle e que são inevitáveis. Uma mensagem madura, num disco impregnado pela vivência e imaginação de uma artista com décadas de história.