(cobertura escrita por Marco Vieira, editor do Cultura Revista)
Ao situar a carreira e o repertório de Fernanda Takai na paisagem da música brasileira, é possível entender melhor as divisões entre música amena e música cheia de intensidade, a atitude vocal contida que João Gilberto tornou internacionalmente famosa, as vertentes derivativas de sertanejo que hoje dominam o airplay e o número de streamings. O Brasil mudou, o Brasil permanece o mesmo.
Na noite de 30 de agosto de 2018, em Recife, a cantora e compositora Fernanda Takai deu preferência a músicas originárias de 3 décadas (anos 60, anos 70 e anos 90). Um espírito retrô atualizado por arranjos stripped (violão e teclado) tomou conta da performance da –também– vocalista da banda Pato Fu no teatro da Caixa Cultural Recife, mais uma vez com ingressos esgotados em 4 sessões, no Projeto Palco Brasil.
Cada execução de música contextualizada a partir de microhistórias contadas de maneira ágil e elegante. Desde uma simples caracterização como “importante” para a carreira do Pato Fu e para quebrar barreiras [“Perdendo Dentes” integrou a trilha da telenovela “Laços de Família” (2000)] até uma lembrança mais complexa como o motivo de inspiração para “Me Explica”, a partir do trágico acidente que envolveu Herbert Vianna (vocalista do Paralamas do Sucesso) e sua esposa.
A propósito da proposta do projeto Palco Brasil de incentivar os relatos sobre a carreira do artista, uma síntese do ‘drama corporativo’ do mercado fonográfico foi trazida ao palco. A história da inclusão, em abertura de telenovela, de “Doce Companhia” com 1 verso alterado e vocal diferente da pessoa que traduziu e adaptou a letra e conseguiu autorização legal para gravar em disco (a própria Takai) levou a plateia aos risos, pela maneira que Fernanda contou, pois a situação mesmo era mais desconcertante do que engraçada.
A versatilidade da artista podia ser notada em alguns aspectos. Cantou (bem) em japonês e inglês. Tocou violão procurando entrar em sintonia com o teclado de Larissa Horta, que a acompanhou no palco também no backing vocal. Atualizou João Gilberto (tarefa traiçoeira, longe de ser simples; mencionou, inclusive, o documentário “Onde Está Você, João Gilberto?”, que tinha entrado em cartaz naquela semana).
Houve diversidade temática no conjunto das letras escolhidas. Solidão, individualidade, existencialismo, mágoa, impossibilidades afetivas, saudade dolorosa. Temas espinhosos numa voz suave. É essa a dicotomia fascinante em Fernanda Takai.
Setlist completo do show de 30/08
1 — Antes que seja tarde — (do álbum Televisão de Cachorro, 1998)
2 — A Pobreza (Paixão Proibida) — (gravada no álbum solo Na Medida do Impossível, 2004 — originalmente de 1967, famosa na versão da dupla Leno e Lílian, da época da Jovem Guarda)
3 — A Paz (Leila 4) — (Gilberto Gil e João Donato, 1992, famosa na voz de Zizi Possi)
4 — Canção pra você viver mais (Televisão de Cachorro, 1998)
5 — Perdendo Dentes (do álbum Isopor, 1999)
6 — Diz que fui por aí (Zé Keti e Hortêncio Rocha, gravada por Nara Leão em 1964 — versão de Takai presente no álbum Onde Brilhem os Olhos Seus, 2007)
7 — Luz Negra (Nelson Cavaquinho, 1964, conhecida na versão de Nara Leão, e gravada por Takai em álbum homônimo de 2007)
8 — Me explica (MTV ao Vivo, 2002)
9 — Kobune (O Barquinho) (Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli —versão com letra em japonês por Ryosuke Itoh — 1961/2009)
10 — Doce Companhia (versão de Dulce Compañia, de Julieta Venegas, 2006)
11 — Debaixo dos caracóis dos seus cabelos (Roberto e Erasmo Carlos, 1971)
12 — I Don’t Wanna Talk About It — (Danny Whitten, 1971, famosa na versão de 1977 de Rod Stewart)
13 — Saudade (Isopor, 1999)
14 — Ritmo da Chuva (versão de “Rhythm of the Rain” por The Cascades, famosa no Brasil na voz de Demétrius lançada em 1964 — gravada no especial para TV “Um Banquinho, Um Violão —Jovem Guarda” em 2004 feat. Rodrigo Amarante)
15 — Telefone (cover da Nada Gang, 1983, gravada posteriormente em álbum do Ira! no álbum Isso é Amor (1999).