Crítica: Tatuagem, de Hilton Lacerda


Em 2013, o filme venceu o Festival de Gramado, e recebeu cinco prêmios no Festival do Rio. O recifense Hilton Lacerda é um prolífico roteirista do cinema nacional, tendo colaborado com diversos diretores. Tatuagem é seu primeiro longa de ficção.
É uma produção que merece ser vista mais de uma vez, principalmente por dois motivos: as idéias políticas e artísticas que permeiam as apresentações do coletivo Chão de Estrelas requerem atenção especial, e as cenas entre o casal principal, composto por um diretor de teatro e um soldado, são tão bem feitas, que vão atrair a contemplação dos curiosos e o interesse dos entendidos.
É um filme cheio de detalhes atraentes. As cenas de transição temporal e espacial, com um tratamento estético diferenciado, são floreios de muito bom gosto, que geram momentos de quase suspensão poética da narrativa.
A performance musical por vezes se sobressai à teatral, mesmo sendo em menor quantidade no todo do filme. Temos a autoral ‘’Volta’’, interpretada por um incisivo e lírico Johnny Hooker; ‘’Esse cara’’, de Caetano Veloso, numa performance sedutora e surpreendente de Irandhir Santos, num tom de voz mais feminino; e por fim, temos ‘’A noite do meu bem’’, clássico de Dolores Duran, que serve de trilha para a dança intimista de Clécio e Fininha.
Quanto as apresentações teatrais, há textos e alusões/referências por vezes rebuscadas. Outras, tão diretas ao ponto que beiram o vulgar e falta de sutileza. Desbunde é um adjetivo até óbvio demais: quase não há pudor. No entanto, não chega a ser obsceno, pelo fato de ser coerente com a proposta artística do coletivo e com o local de apresentação. O público do cabaré mostra-se sempre já conquistado, aliciado, convertido. Parece que apenas os espectadores de Tatuagem precisam de convencimento. Por sinal, o título do filme é um tanto perverso e melancólico na sua polissemia, desvendada no decorrer da história.


Ao invés de falar apenas da imensa verossimilhança das cenas de sexo no filme, podemos expandir o tema para outras questões. A nudez não é fetichista, pelo contrário, recupera a naturalidade da exposição do corpo masculino, questão que é tabu no cinema mundial, praticamente. O entendimento de fidelidade na história é o que hoje é rotulado de relacionamento aberto. O que não impede ciúmes, lágrimas e situações tensas entre os personagens de Irandhir Santos e Jesuíta Barbosa. Os dois atores foram premiados nos festivais por onde passaram com o filme; o primeiro, em Gramado, o segundo, no Festival do Rio.

O diretor escolhe ‘’resolver’’ o filme através de elipses ousadas. Não há um clímax mais clássico, que pudesse corresponder a expectativas naturais do público, cativado pelos personagens que tiveram sua intimidade exposta. Há apenas cenas memoráveis, aqui e ali, e muitas pontas soltas, no sentido de closures insatisfatórios.

Tatuagem integra a mostra competitiva de longas-metragem do VI Janela Internacional de Cinema do Recife. Foi o filme de abertura do festival, e ao final da sessão, foi ovacionado. 



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